A proliferação da doença é mais uma consequência da falta de habilidade do Poder Público em se planejar e encontrar soluções eficientes
Meu nome foi confirmado, no final da tarde de ontem (6), como membro titular da Comissão de Saúde, da Câmara dos Deputados. Este é o sexto ano que componho este grupo no Congresso Nacional, sempre com desafios imensos. Passamos pela pandemia do Coronavírus, pela Varíola dos Macacos, pela Doença da Vaca Louca e tantas outras que criaram um temor na população. Em 2024, temos a missão de enfrentar o surto da dengue, que não é novo, mas traz reflexões importantes.
Primeiro é preciso esclarecer que o país luta contra o Aedes Aegypti há mais de 40 anos. Ao contrário das outras crises sanitárias, essa não é novidade nem passou por qualquer mudança em seu perfil de contaminação. Nesse período, o mosquito transmissor chegou a ser erradicado do Brasil, mas retornou pelo motivo que, ainda hoje, considero o maior causador de mortes pela dengue ou por qualquer outra doença recorrente: a desigualdade social e a pobreza.
Meu estado, Minas Gerais, é o mais afetado pela dengue neste ano. Os mineiros são 37% dos pacientes da doença, tendo mais de 40 mortes registradas em apenas três meses. Somos também o segundo estado com maior número de pessoas e, consequentemente, com uma fácil percepção da desigualdade social.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelaram que, em 2021, 2,6 milhões de mineiros não tinham o serviço de coleta de esgoto e 121 mil casas não tinham acesso à água potável.
É impensável, mas real: milhares de famílias ainda vivem com água captada da chuva ou acumulada em cisternas. Elas também queimam lixo por não terem onde jogar seus dejetos. E é, exatamente, este o ponto.
Os agentes da vigilância sanitária fazem um trabalho incrível visitando, orientando e ajudando a reduzir os focos de mosquito da dengue. Mas eles são incapazes de eliminar o risco completamente, porque não está nas mãos deles o controle sobre as condições de vida do ser humano.
Quando se vive em situação degradante e até indigna, os cuidados com a saúde são meramente paliativos. Se Maslow aprofundasse um pouco mais na sua famosa pirâmide das necessidades humanas, ele, certamente, diria que antes da saúde tem vários estágios para conseguir a própria sobrevivência.
Não posso ser conivente e, simplesmente, assumir que as pessoas estão menos pobres no Brasil. Não posso porque sei como os dados são calculados e porque viajo, diariamente, meu estado para constatar que a fome ainda vai matar muito mais do que a dengue ou qualquer outra doença grave. E mata sem pressa, sem pudor, tortura até que nem a alma aguente mais.
Esse é o problema que precisa ser combatido: a indignidade a qual as pessoas estão submetidas. São milhares de famílias sem sequer uma chance de se protegerem da dengue ou de qualquer outra vulnerabilidade. Normalmente, são as mesmas que recorrem aos hospitais lotados, médicos exaustos, que sofrem com a falta de agilidade, de exames e de medicamentos.
Essas pessoas não sabem que já existe vacina contra a dengue há dois anos, mas só em hospitais particulares. Agora, também não perceberam que as vacinas compradas pelo governo não cobrirão um número mínimo da população.
O mais triste é ler que, mesmo as pessoas que estão dentro da faixa etária escolhida para receber a vacina, não estão procurando os postos médicos. Em um mês de campanha, apenas 17% das doses foram aplicadas, por falta de procura. Em contrapartida, foi aberto, hoje, mais um hospital temporário para atendimento dos casos de dengue em Belo Horizonte, preparado para receber até 200 pessoas por dia.
O problema do Brasil passa pela falta de planejamento, pelo pouco incentivo às pesquisas, pela falta de estrutura e tantos outros fatores agravantes. Mas o cerne da questão é a pobreza, tão histórica quanto à dengue. Ambas estão, nitidamente, não são prioridades e não estão entrando na agenda governamental com a seriedade e com a urgência devida.